quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Fins de outono

                                    

            É interessante como muitos marcam suas vidas, ou fatos acontecidos nela, tomando como referência as estações do ano.
            Fins de outono, dias claros, temperatura amena.  Das janelas, tanto da sala como a do seu quarto, apartamento simples, sem luxos, mas bastante confortável, via-se um verde parque.  Era assim durante todo o ano.  A baixa latitude do lugar permitia este requinte.
            Clarinetista da sinfônica, aguardava a hora de almoçar leve e seguir para o trabalho.  Ensaio comum, nada de responsabilidade maior.  Como de hábito, bebia sua dose de uísque, uma só, mas sem falta ou excesso.  O CD tocava Miles Davis com Bill Evans. União não muito comum, quando o contrabaixista é Ron Carter, com sua elegância, altura e classe.  A música era Summertime, de George Gershwin.  Não, os músicos não  escutam só os clássicos famosos.  Ficariam limitados.
            Já havia visto suas mensagens no computador.  Afora a confirmação do ensaio, nada mais.
            Ela não escrevera, como acontecia há dois anos.  Nada!  Fora-se em definitivo, talvez.  Talvez?  Com muita certeza, era bem mais provável.  Tortura! Pensou em beber mais um pouco, mas o senso de responsabilidade falou mais forte.  Tinha que tocar sua vida, era um virtuose, não demoraria a ser o primeiro-clarinetista, que na escala dos músicos só é suplantada, teoricamente, pelo primeiro-violino e o maestro.
            A bebida descia bem, e o almoço, mandado por restaurante próximo, era bastante saudável.  Um prato grande de grão-de-bico frio, com uma salada que só não tinha capim.
            Banho tomado, boa alimentação, passos largos, chegou ao Municipal.  Tinha um coração forte.  No meio da plateia que costuma ouvir os ensaios, num vestido branco qual fosse uma noiva, ela estava lá.  Sorria.
            Com o coração aos saltos, ele subiu para o ensaio e durante todo o tempo tocou para ela.  A orquestra estava maravilhada.  Não, ele nunca havia tocado assim.  Terminado o ensaio, foi cumprimentado pelos colegas e pelo exigente maestro.

            Desceu rápido para a plateia.  Ela não estava mais lá.  

20 comentários:

marcia disse...

Belo e triste como o outono...bjus

Sandra Galante. disse...

Um belo texto Jorge.Embora triste é extremamente belo.Te deixo um beijo.

Rita Lavoyer disse...

Fantasmas também são inspiradores, ou inspiradoras!

Caio Martins disse...

Essa pega na veia, me'rmão... É vertiginosa e, como bons líricos, esperamos o final feliz que não veio. Dose pra leão...

Forte abraço, Mestre Escriba!

Celso Felício Panza disse...

Jorginho, depois do romance do "frasista" "Bhrama", que disse essa pérola hoje, "NÃO TEM ALMA VIVA MAIS HONESTA QUE EU",fora o péssimo português notório, as almas do Inferno de Dante estão todas anistiadas. Não consigo observar mais nada sobre conto, romance e similares; por enquanto. Estou em choque..... Mas já vi esse retrato da moça em epígrafe, e uma história sobre violino semelhante, do seu acervo. Abraço. Celso

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Bravo!

Anônimo disse...

PERFEITO! Desde a descrição do ambiente até a última sílaba.Espero que ela volte para a estréia.

Marco Bastos disse...

E aasim são as musas, caro Jorge. Para não deixarem de ser musas, viram vento.
Bom trabalho, riqueza de detalhes. abrçs.

Nadir D'Onofrio disse...

Um belo conto, Jorge!
Às vezes acontece de esperarmos ansiosos pela palavra, cumprimento, que não recebemos. Faz parte da vida!
Abraços,
Nadir

Unknown disse...

Oi,Jorge.Um belo reencontro no outono de suas vidas quando ele,impulsionado pelo amor, supera se e toca maravilhosamente.De fato, caro amigo, o amor abre a criatividade do homem.Em ausencia dele nossos textos ficam insipidos, o que nao ocorreu com o teu.Parabens, meu abraço.

Célia disse...

Leio um conto "etéreo" e entro em devaneio!
Divina inspiração, Jorge!
Abraço.

Carmem Velloso disse...

Gostei, Jorge!
Você tem a sutileza nos contos amorosos, na mesma razão ácida das crônicas políticas. Sabe o ponto certo!
Beijos.
Carmem

Dolce Vita disse...

Belo argumento conduzido com segurança.

Tais Luso de Carvalho disse...

Ótima a descrição do ambiente, um conto cheio de detalhes bonitos.
Mas é assim, surpreende no final!
Aplausos, Jorge!
Gostei do comentário do 'Celso Felício', também estou mais ou menos em coma!
Abraços!

Sam I see disse...

Se ele reparasse bem... Nas curvas lânguidas da melodia que o fazia respirar, ela lá estava,sempre esteve.

NELMA GUERRA - LOGOS- estudos e consultoria em Astrologia disse...

..MT LINDO QUERIDO E COMO SOU UMA SONHADORA ESPERO QUE ELA RETORNE PARA A ESTRÉIA , FIQUE ATÉ O FIM E SE REENCONTREM.

Unknown disse...

Você..Sensível como sempre.
Belo...Divinoooo!

Shirley Brunelli disse...

Será que ele a amava tanto, a ponto de correr atrás dela? Eu não faria isso...
Lindo conto, Jorge, pareceu-me estar lá.
Parabéns!
Beijos!!!

Anderson Fabiano disse...

Fecho os olhos e vejo... poltronas vazias, pesadas cortinas em silêncio, apenas um perfume novo no ar. No meio do cheiro de couro velho, um perfume novo se esvaindo... Miles Davis dá um último acorde de Blue Bird. Um clarinete se cala...

Unknown disse...

Me fez lembrar de um conto inacabado kkkkk