domingo, 22 de fevereiro de 2009

As Faces da Maldade


Boteco














Bar sujo, lugar feio, calor e abafamento. O lugar era assim, onde dois homens de bermudas, camisas leves e tênis conversavam bebendo cerveja.
- Não vejo problema nenhum em dar uns tirinhos nele.
- Nem eu, mas o serviço tem que ser bem feito. Pode sobrar para nós.
- Sobrar como? Não vamos deixar nossos nomes grafitados no local.
- Mas o que não falta por aí é dedo-duro.
- Dedo-duro morre cedo.
- Carlinhos Fiapo foi assim. Falou o que não devia, tombaram ele.
- Só o Fiapo? Eu conheço muitos.
- Eu sei, cara. Estou dando um exemplo.
- Quem faz o serviço?
- Eu ou você. Podemos fazer juntos, se quiser.
- Vamos juntos. Eu te dou cobertura.
- E isto é pra quando?
- Vamos seguir o homem uns dias.
- Mas nós já conhecemos ele. Seguir para quê?
- A tal da Neuza pode desconfiar da gente.
- Aquela vagabunda? Quem acredita naquilo?
- Nós não acreditamos na maconheira, mas a tiragem pode acreditar.
- Polícia não acredita em gente daquele tipo.
- Sei não. Prefiro não arriscar. Vamos seguir o homem.
- Se Neuza desconfiar... Não estou gostando disto.
- Leva o dela também. Aquela vaca só sabe paquerar os grandes.
- Foda-se. Se entrar na história, morre também.
- Pode não ser simples como você pensa. Ela está com cartaz.
- Cartaz no meio de trouxas. Leva chumbo também, morre de graça.
- Não mato mulher. Dá azar.
- Dá azar deixar ela inteira, se desconfiar que fomos nós.
- Se tem medo de se dar mal, melhor não ir.
- Não é isso, mano. Já disse que fechar mulher dá azar.
- Azar nada. Deixa ela comigo.
- Eu sei que você não perdoa.
- Não mesmo. E ninguém vai dar importância a isto.
- Não vai mesmo. O safado é ruim. Não respeita nem criança.
- Está falando da Glorinha, a filha do Jerê?
- Ela é uma delas. Jeremias já estava doente quando soube.
- É, ele não podia fazer mais nada. Tava ruim mesmo.
- Glorinha mal tinha feito treze anos. Este sacana não vai continuar vivo.
- Depende de nós, mano. Merecer ficar, não merece mesmo.
- E se ele desconfia e passa a andar com mais gente?
- Andar com mais gente não adianta. Pegamos ele com arma longa.
- Vão dizer que é guerra do tráfico.
- Ou vingança de algum inimigo. Ele tem muitos.
- Não sei como um cara destes ainda tá vivo.
- Ele sempre deu sorte. E paga bem a moçada dele.
- Paga mesmo? Não vão cair em cima de quem apagou ele?
- Até pode. Mas não vão passar de alguns conhecidos.
- Medo de ser coisa dos homens? Os tiras tão matando adoidado.
- Vão se encolher direto. Procuram alguns malandros conhecidos, só.
- O negócio está parecendo fácil demais, cara.
- Não é isso. Ele é defunto barato mesmo.
- Não vai muito nessa não. Pode ser barato, mas ninguém pegou.
- Só porque ele tem fama de atirar com a esquerda bem?
- Principalmente. Aquele puto com duas armas na mão vai ser difícil.
- Já tentaram, parece. Ele percebeu, pegou antes.
- Eram principiantes. Com a fama que ele tem, as armas tremeram.
- Sabe bem do caso?
- Todos moradores antigos sabem. Matador não treme.
- Eu tremi com Russo. Confesso que tive muito medo.
- Mas medo a gente tem mesmo. E Russo era muito melhor que este.
- Acha mesmo, cara? Não desfaz não. O risco aumenta.
- Tá querendo correr, mano?
- Nem pense nisto.
- Quer virar herói, malandro?
- Nada. Quero tirar o adversário da reta, como você.
- Ele é adversário vagabundo. Obedece ordens.
- Não acho vagabundo não. Ele quer subir.
- Melhor para nós. Vão achar que foi olho grande demais.
- Nem tô aí para o que vão achar. Quero ver o homem morto.
- Está muito confiante, mano.
- Nada. Sei que risco existe. Não nasci ontem.
- Vamos fazer isto logo. Ele desconfia da gente?
- Sei não. Se desconfia, nunca deu para notar.
- Ele é malandro velho, mano. Engana bem.
- Precisa de ser muito malandro para disfarçar tanto. Não é artista.
Era artista. Os homens conversando não notaram quando um homem entrou no bar de subúrbio, acompanhado de dois outros. A mesa onde estavam sentados tinha muitas garrafas de cerveja. Os três atiraram muito, acertando em cheio os alvos. Caíram em poças de sangue. O tráfico e a proteção mútua entre bandidos é assim. Fazem de tudo, principalmente quando se sentem ameaçados.
Voaram cacos de garrafa para todos os lados, com as balas perdidas.

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente! Parece reportagem, tão forte é descrito. Este caso é real, Jorge?
Parabéns, beijos, Siomara.

Jairo Bezerra disse...

Um dos diálogos mais empolgantes que li. Desfecho inesperado!
Como Siomara, digo excelente.