terça-feira, 2 de junho de 2009

A casa do bruxo

C.G. Jung


















Existe em Bolligen, uma espécie de distrito de Saint Gall, Suíça, uma construção em pedra, em forma de círculo com uma torre no meio.
A respeito dela, contam-se muitas histórias. Umas baseadas na fantasia de todos nós, outras em fatos concretos.
Começou a ser construída em 1923, e lentamente foi ganhando forma. Um só homem a desenhou, e fez quase todo o trabalho da construção.
Estranha idéia! Mas o autor desta incrível proeza era um bruxo, um bruxo sábio, um bruxo erudito. Escreveu que “minha vida foi singularmente pobre em acontecimentos exteriores. Sobre estes não posso dizer muito, pois se me afiguram ocos e desprovidos de consistência. Eu só posso me compreender a luz dos acontecimentos internos. São estes que motivam a fecundidade da minha vida e é dela que trata minha autobiografia.”... Memórias, C G Jung
Após exaustivo trabalho, ficou pronta em 1955.
Não tem água encanada. Desconhece a eletricidade. A água vem dum poço, com bomba manual que o bruxo bombeava, como cortava lenha para a lareira, calefação e forno da cozinha, onde ele mesmo preparava suas refeições.
Na torre, o escritório indevassável. Ninguém penetrava sem a sua expressa autorização.
Qual o homem de hoje que no seu retiro – e lugar de profundo trabalho – toma conta da água, do fogo, da refeição, do trabalho e do lazer?
É preciso grande desenvolvimento espiritual para concatenar estas tarefas.
Mas o bruxo de Bollingen não só possuía estas qualidades, como era capaz de desenvolver idéias que se transformaram em livros.
Carl Gustav Jung nunca foi um simples mortal. Muitos o dizem analista. Poucos sabem que, antes de tudo, foi um homem completo, capaz de entender a si mesmo e aos seus semelhantes. Todos falam do seu conhecimento, da sua erudição, mas poucos tiveram o prazer de ir até o fim de um dos seus livros “O homem à procura de sua alma.” Um filósofo, um erudito, um bruxo de magias certas, beirando às equações matemáticas, talvez o seu único pecado, pois afirmava detestar e não compreender a Matemática, a única ciência que abre as portas ao conhecimento exato. No entanto, como a Vida não é exata, esta falta de conhecimento não lhe fez falta.
Segundo tudo indica, a psique humana e o homem em si mesmo nunca foram tão bem observados. O velho bruxo, um dos aspectos da mão Divina, não deixou muitas lacunas.
É fato conhecido por todos os seus chegados, parentes e alunos, que quando morreu um raio cortou na mesma hora uma grande árvore da sua casa, em Zurique.
Na casa de pedra, em Bolligen, tem a inscrição , por ele mesmo entalhada, “Invocado ou não invocado, Deus está sempre presente.” Esta afirmação não é dele. Igualmente, encontra-se esculpida no Oráculo de Delfos, da antiga Grécia.
Os mistérios, nem sempre, são inatingíveis ao ser humano.


Dedicado à memoria de Alice Marques dos Santos, minha tia e madrinha, que teve o privilégio de ter sido aluna de Jung.

3 comentários:

Anônimo disse...

"Seu" Jorge, gostei muito dessa crônica, quem conhece alguma coisa de Jung com toda certeza ficará com ela na lembrança. Não é fácil escrever sobre esse ságio ainda mais de forma tão simples e sincera. Bjs. Tchüss.

Cris Dunch - São Paulo.

Roseane Ferreira disse...

já havia lido, não conheço do personagem, mas o que escreve faz muito sentido, o que ele colocou nas inscrições então.... essa presença superior, que me comanda...
lindo, já havia lido em outra página...
abraços
Rose

Celso Panza disse...

Jorginho, saí da consideração particular sobre o blog, como antes por vc sugerido, para a pública, diante de sua resposta.E o fiz apreciando o junguianismo é bastante íntimo da breve apreciação. Aí vai.
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Poucos meses antes de você cheguei ao mundo, temporalidade exígua que faz de mim irmão mais velho, como diz você, pelo processo de causa e efeito. Isto me faz não descurar para curar no que posso com os próximos, mas também com tudo e todos.



Desse passo a sinceridade as vezes é dura por pretender a verdade e o bem, no “vis a vis”, declinando o que achamos certo, mesmo que errados possamos estar. Seria o “cacoete” da consciência de dizer o que “seria o direito” como atividade principal na vida.



Vejo agora em meio a enorme alegria, o Jorginho das várias artes buscadas, na celeridade da procura falseada pela ânsia, que não proporciona vitórias verdadeiras, mas gloríolas, achar sua maior riqueza, seu interior, fazendo-o “crescer a cada grão” na calma, sem correrias a cata de aplausos, como inerente aos que alvejam a sabedoria que tranquiliza e pacifica o espírito.



Nesse passo interiorizado e construtivo, superando barreiras emocionais que a vida impõe a todos, vai fazendo de forma excelente, pelo trabalho produzido, o parto espiritual das grandes conquistas, realizando a maior de todas elas, a conquista de nós mesmos. E surpreende surpreendendo, com ricas imagens e figuras brotadas da memória lavadas pelo coração.



Com agudeza, nessa envolvente crônica, aponta o gênio de Jung, ao destacar: “Poucos sabem que, antes de tudo, foi um homem completo, capaz de entender a si mesmo e aos seus semelhantes”.



Estamos diante da mágica que o “bruxo” pôde entender com maior estudo e penetração, mas que se reduz à singeleza de compreendermos, que só compreendemos o próximo e o mundo, quando achamos a nós mesmos, “imagem e semelhança” de Deus, sem pretensões ou alardes. Continue seu trabalho proveitoso que deleita e faz compreender o gênero humano. Abraços. Celso Panza