sábado, 16 de abril de 2011

O Serviço Especial













                                                O Serviço Especial

            A notícia correu rápida.  Um fato desta natureza tem divulgação imediata.  Todos ficaram aparvalhados.
            O capitão Callado dormia profundamente.  Havia retirado o elegante terno, engraxou os sapatos, limpou a pistola que o coronel Fonseca não havia pedido, quando da voz de prisão ao subordinado.  Tomou um longo banho, após quarenta flexões de braço, vestiu a camisa de malha branca, o calção do exército e mergulhou no secreto mundo dos sonhos.
            - Callado! Callado!  Acorda, porra.  Mataram o coronel!
            Tem certas palavras que mesmo dormindo acordam qualquer um.  Morte é uma delas.  O capitão não acordou.  Literalmente, deu um salto da cama e viu-se diante de dois oficiais, alguns soldados e sargentos.
            - Que está acontecendo?
            - Mataram o coronel Fonseca, homem!  Um tiro no rosto.
            - O quê?
            - O que eu estou dizendo.  Um tiro na cabeça, de espingarda de cartucho.  Coisa de profissional, deve ter sido seguido. - Fora seguido.  Os três marginais estavam de olho na delegacia do lugar, deixaram o carro estacionado numa rua próxima.  Bebiam, no balcão, uma cerveja.  Era apenas um disfarce para vigiarem o lugar.  Viram quando o coronel entrou na delegacia e para surpresa deles, que esperavam uma prisão em flagrante, mas nunca se sabe, o homem demorou pouco, saiu e entrou no seu automóvel.
            - Esse cara é milico.  Olha o andar dele e o cabelo.  Vamos logo atrás.
            - Aqui quem resolve isto sou eu, cara.  Fica na tua, seu otário.  Claro que vamos atrás dele. 
Estava de bermudas, camisa ordinária metida a chique, e sapatos mocassim, não gostava dos tênis da moda.  Ao lado do motorista, preparou logo a escopeta.  Bastava ultrapassar, apontar para a janela do carro azul do coronel e fazer fogo a queima-roupa.  Assim fez.  O tiro foi a menos de metro de distância.  Largaram o carro com as armas, limpando as digitais com as camisas.  Eram burros, mas nem tanto.  Sumiram em direção ao antro de vagabundos que ocupavam a bem organizada favela, onde os trabalhadores ficavam cegos, surdos e mudos.
Comemoraram com muitas cervejas e caipirinhas, num bom bar existente no local.  Depois foram dormir, estavam empanzinados com as cervejas e o angu com linguiça e salsicha, uma das especialidades do botequim bem arranjado.
O enterro do coronel Carlos Alberto Fonseca de Barros foi uma cerimônia militar triste, séria e de honras.  Os soldados da Polícia do Exército dispararam seus fuzis, a bandeira que cobria o caixão, depois de cuidadosamente dobrada, passou às mãos da viúva desconsolada, segura por uma filha nova e um rapaz que deveria ter poucos anos menos do que a irmã.
O corneteiro executou com sentimento o toque de silêncio, quando as lágrimas de todos ficaram abundantes, mas não se disse uma só palavra.  É a hora mais triste de um enterro militar, e também a mais solene.
Assistindo tudo, não de muito perto, o capitão Callado e um major das Forças Especiais do Exército, estavam ao mesmo tempo tristes, raivosos e indignados.  A vingança seria cruel, muito cruel.  Basta ver o apelido do capitão Callado.  “Coisa Ruim”, o que ele era, realmente.      

14 comentários:

Unknown disse...

Ficção ou realidade? Fiquei em dúvida. Para mim, é pura realidade. Uma excelente narrativa que leva o leitor sublinarmente a prosseguir para outro final. Muito bom, amigo Jorge. Abrs. Mardilê

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Jorge,
Um show de narrativa, me prendeu do início ao fim. Parabéns por mais esta, General. Abraços.

lino disse...

O Callado ficou calado porque "Coisa Ruim" não fala.
Abraço

Gisa disse...

Incrível narrativa!
O real e o imaginário se entrelaçam
Um grande bj querido amigo

Marcia disse...

Um ótimo conto policial que tem muito a ver com nossa realidade ...bjus

Mari Amorim disse...

Olá amigo!
Show de narrativa,saio com meu aprendizado em dia.
Obrigada pelo carinho da visita
Boas energias,paz,saúde,sucesso!
Mari

Rita Lavoyer disse...

Jorge, quando o tiro é bom ele não sai pela culatra. Quando a narrativa é boa tudo vira realidade, sem que Deus duvide.

Anônimo disse...

Quem matou o coronel, não viverá por muito mais tempo...

Beijinhos

Teresinha Oliveira disse...

Também fiquei em dúvida entre realidade e literatura. Tal fato já revela a qualidade do texto. Mas você nos prepara uma armadilha :) citando o nome completo do coronel, e ainda mais, sobrenome com dois L.
Gostei.

Mel Racional disse...

Gostei do conto! Há dúvida entre realidade e ficção realmente de tão perfeito que é. Isto é maestria em escrever crônicas, contos, romances policiais e etc...
Um beijo Jorge
MR

Unknown disse...

Como sempre uma excelente crônica que só você sabe fazer: prende o leitor!
Beijos mil!!!

petuninha disse...

Olá, Jorge!
Este conto policial, apresenta uma ótima arquitetura narrativa. Encadeia a sequência de atos com habilidade.Flui com leveza, mesmo no contexto trágico de violência.
Muito bem urdido, transparece um bom trabalho artesanal do escritor.
Parabéns! Beijos.

Fernanda disse...

Querido Jorge.
Parabéns pela interessante narrativa! Prende o leitor pela tensão.
Gosto da construção de teus personagens e dos ambientes onde se situam. Tornam-se muito reais.
Esse tal de Callado é muito bom, "como coisa ruim"!.
Beijos da Fernanda.

Caio Martins disse...

Jorge, tem todo o jeitão de roteiro de um excelente romance policial, o "Coisa Ruim" é personagem por si mesmo. Quando terminar o que está escrevendo, parte para esse... Sucesso na certa!

Abração.