quinta-feira, 22 de março de 2012

Casa velha
















Existe na Vila Real da Praia Grande, uma casa de pouco mais de meio século de construída.
Ampla, de dois pavimentos e uma tormentosa escada para os que estão carregando material de limpeza, ou roupa passada, lá o que seja. Escada irrita até gente moça, que costuma reclamar quando faz algum transporte.
Todos que a olham por fora julgam, com razão, que está abandonada. É verdade que o quintal está sempre limpo, e jardins cuidados – parece uma selva tratada – e seu aspecto é realmente de abandono. Um abandono cuidado, se é que vale a expressão. Desde que foi pintada, para acolher o então jovem casal, nunca mais viu mão de tinta. Com o passar dos anos, tornou-se um ocre, um ocre velho, como velha é a casa. Um limo verde, discreto, e que colabora bastante para dar a aparência um tanto fantasmagórica à antiga casa branca.
Uma grande árvore domina o quintal e, como já foi dito canteiros e mais canteiros exibem as mais diversas plantas. Roseiras, inclusive. Estas, sempre que algum morador faz anos, presenteia com uma bela flor o aniversariante. Parece que tudo ali é mistério, e alguns acham mesmo que a casa é mal-assombrada. Histórias não faltam.
Como passo sempre pelo local, um dia vi um homem de meia idade, que tinha os firmes e fixos numa roseira. Sou um cara enxerido. Dei bom dia ao homem, que me olhou de maneira indiferente. Perguntei se ele morava ali. Disse que não, apenas tomava conta da casa, e voltou os olhos à roseira. Continuei com a minha fala, revelando que conhecia a casa há muito tempo, mas que pensava abandonada. Para abrandar os ânimos do homem preocupado com a roseira, disse que era escritor. Funcionou como eu não esperava. Ele abriu um sorriso amistoso e perguntou o que eu desejava.
O portão de ferro foi aberto. O homem apresentou-se e disse que era o dono da casa, uma revelação que eu já esperava. Com uma bermuda jeans, camisa xadrez e um tênis surrado, mas sem aparentar defeito ou sujeira, disse que já me conhecia de vista, e mostrou-me a roseira alvo de sua atenção. Não estava em boas condições, mesmo para mim que não entendo do assunto. Explicou-me que não tinha sido podada antes de começar o tempo frio, mas não estava comprometida.
Convidou-me a entrar e beber uma taça de vinho. Onze e meia da manhã, entendi que não era para dizer não. Sempre tive curiosidade de conhecer a velha mansão.
Meu susto foi grande. A casa era completamente restaurada por dentro. Jardim de inverno enorme, com vista para um belo quintal onde distingui outra árvore, este muito menor do que a dominante mangueira. “Laranja”, disse-me. “Já era época de estar florida, se não fosse o frio.”
Mostrou-me algumas dependências da casa, mas não levou ao andar de cima.
A sala tinha um ar personalíssimo, móveis estilo campestre sem serem rústicos, paredes cobertas de quadros, dele e da sua mulher, que não apareceu.
Terminada a taça de vinho, ofereceu-me outra, que discretamente recusei. Mostrou-me o seu escritório, onde um computador reluzia com a sua tela de cristal líquido.
Senti uma sensação de bem-estar. Interessante que não havia dito o seu nome todo, quando me apresentei no portão. Perguntei. “Joaquim Manuel de Macedo, ao seu dispor.”
Ou era doido, ou realmente agi certo: com uma desculpa, coloquei-me em fuga rapidamente.

10 comentários:

Célia disse...

Olá, Jorge! Divinos mistérios entre escritores permeiam a nossa história! Sem dúvida alguma, também deixaremos as nossas!
Abraço, Célia.

Rita Lavoyer disse...

kkkkkkkkkkkkkk
Diga com quem tomas o teu vinho que eu te direi com quantas taças as verdades são revelados por ele.
As aparências enganam? Gostei de poder entrar na casa também.
Obrigada pelo convite.

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Caramba, então era o autor de "A Moreninha", Jorge? Delicioso e um tanto quanto misterioso delírio. Parabéns por mais esta!

Unknown disse...

Jorge, por que te impressionaste com o nome dele? Eu, no teu lugar, teria entabulado mais um longo tempo de conversa, querendo saber da vida dele e da razão de seu nome. Abrs. Mardilê

Mel Racional disse...

Amei a visita à casa e ao autor da Moreninha! E, aí Jorge, a conclusão: acreditas em fantasmas?
Um beijo

Caio Martins disse...

Jorge, numa palavra: notável. Nos leva, como diz a Rita, a bela visita... e, de quebra, realmente nos mostra com quantas taças a verdade transparece... Tem certeza que foi só uma?
Abração,Mestre...

lino disse...

Seria um descendente?
Abraço

petuninha disse...

Jorge!

Vc. sabe que todo bom escritor, quase sempre trabalha em seus textos com o real e com o imaginário. Mesclando os dois, dalí sai a interpretação do leitor e a escrita de belos e misteriosos textos como este.

Quem lê precisa ter boa memória também e lembrar de algumas obras passadas e o nome de seus autores.

Parabéns mais uma vez. Beijos da Petuninha.

marcia disse...

Essa é uma casa que gostaria de visitar, para sentir de perto todo o mistério que ela exala e sentir o gosto desse vinho..bjus

Anderson Fabiano disse...

Jorjão,

Você bem sabe o quanto aprecio suas crônicas e seu jeito fácil de escrever.

Estou aqui pela segunda vez, lendo relendo a "Casa velha" e creio que não vou conseguir escapar sem deixar meu abraço fraterno.

Lúdico! Mágico! Absolutamente transcendental!

Não podemos descartar que Joaquim estivesse mesmo por essa bandas. Afinal, depois de tanto papo com Araujo Porto-Alegre não seria surpresa se ele resolvesse trocar umas prosas com você. Ao vivo.

Meu carinho,

Anderson Fabiano