Parece difícil alguém começar a escrever sem antes ter
passado por um processo que costuma formar quem pratica este tipo de arte.
O início é a leitura, sempre. Depois as redações, geralmente feitas no
colégio. Fui encaminhado pela educação,
e naturalmente pelo gosto de contar histórias.
Desde pequeno meus pais cuidaram com carinho da leitura, que souberam
passar muito bem aos filhos — aprendi a ler e escrever com minha mãe. Comecei com Monteiro Lobato, como a maioria
dos pequenos leitores. Mas nada conheço
de Dona Benta, Emília ou Pedrinho. Que
eu me lembre, o primeiro livro que li foi “Os doze trabalhos de Hércules”, se
não me engano, na época, composto por dois volumes. Li, reli e vivia lendo, até hoje conheço as
aventuras do herói grego, filho de Zeus e da mortal Alcmena. Digo que me lembre porque tinha o hábito de
ler o que me caísse na frente, fora as histórias que me eram contadas.
O tempo passou, entrei para o ginásio e os professores
recomendavam uma serie de livros.
“Iracema”, “A Moreninha”, “Meus oito anos”. José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e
Casimiro de Abreu sempre foram autores obrigatórios no ginásio. As provas eram sempre constituídas de duas
partes. A primeira, redação. A segunda, análise de algum trecho e
gramática. Jamais tive a menor preocupação com a matéria. Tirava nota máxima, ou perto dela, na
redação que sempre valia cinco pontos.
Depois, saía catando respostas da segunda parte, e juntava mais uns
pontinhos. Enfim, nunca minha nota foi
menor do que seis e meio, tudo por causa da leitura que me acompanhou todo o
tempo.
Pouco mais tarde, ainda por recomendação escolar, li o primeiro livro ‘mais sério’, se é
que esta classificação existe. “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, que me impressionou profundamente. Estava aberto o caminho para uma sucessão que
se estende até hoje.
Mas quando li vorazmente “Vila dos Confins”, de Mário
Palmério, pensei comigo mesmo “ainda vou escrever assim”. Vontade tenho até hoje, mas realmente o
romance onde é contada a vida política do sertão, as falcatruas eleitorais, a
figura do padre Sommer, o matador de onças pretas, zagaiadas sem medo, a vida
do interior mineiro com todos os seus pormenores grandes ou pequenos é rica
demais e muito difícil de ser simplesmente reduzida a um simples
comentário. É impossível, esta é a
verdade. O então deputado federal Mário
Palmério, duas vezes eleito pelo PTB getulista, que foi educador, político e
diplomata esgotou o assunto. Foi
prefaciado por Rachel de Queiroz, um passaporte vermelho para qualquer editora,
não fosse o fulgurante talento do autor.
Veio depois “Chapadão do Bugre”, também excelente, mas sem a força do
primeiro.
Enquanto Guimarães Rosa soube mostrar a vida do sertão
com requintes de realidade, Palmério, seu sucessor na Academia, fez o mesmo,
mas politicamente. Tempo das eleições
onde quem tinha título, honesto ou
obtido mediante fraude, comparecia a seção eleitoral com a sua melhor
roupa e orgulho, hoje uma chatice onde o traje é a bermuda.
“Ainda vou escrever um livro assim.” Foi como tudo
começou, uma admiração grande e incontida, não passei na época de contos e
crônicas, a vida na farra era bem melhor.
Jamais deixei de ler e escrever, mas o primeiro romance, um texto
despretensioso, apareceu tarde. O
segundo, do qual muito me orgulho, anda preso em concursos, não deve virar
livro até que eu escreva coisa melhor, se conseguir. “Casarão”.
Nele estão presentes o bem e o mal, a saúde e a doença, a virtude e o
vício, o caráter e o cafajestismo.
Tudo isto por causa do deputado e Acadêmico Mário
Palmério, feliz autor de “Vila dos Confins”, indelével marca na literatura
nacional.
9 comentários:
Jorge!
Mais que certo! O gosto pela leitura começa na infância. Muito bom se a maioria dos pais soubessem disto.
Interessantes os títulos de livros que vc. citou, começando por Monteiro Lobato. Muitos se identificarão com a sua narrativa!
Parabéns pela suavidade e beleza de seu texto! Beijossss.
Grande Mário Palmério. O então pequeno Jorge soube escolher seu padrinho! Abraços, meu amigo, e parabéns pelo texto.
Tomara logo logo você seja a fonte de inspiração a outros leitores tradicionais, porque na virtualidade, neste blog, você já é bem querido e inspira-nos muito.
Dos romances li muito pouco Jorge. E sempre uma leitura indisciplinada. Hoje sinto a falta que isso faz. Sempre dei preferência a autores que trabalharam conceitos filosóficos ou técnicos mais que relacionamentos, tramas, vidas e fatos. Além disso foram contos, crônicas e poesia - leituras rápidas. É sempre bom ler sobre sua experiência. abraços.
Querido escritor!
Juro que não o entendo! Também não pretendo! Sou 'fã de carteirinha' por suas obras; as que tive o prazer de ler. Nada a acrescentar. Talvez, uma injeção de ânimo para teclar mais e mais, pois como diz Manoel de Barros, 'esse tempo que só anda de ida...a poesia é voar fora das asas'... EUREKA! Você, meu caro Jorge precisa 'voar fora das asas'! No mais, perfeito!
Grande abraço da Célia.
O mérito maior de qualquer um que faça bem qualquer coisa é, exponencialmente, louvar o que de melhor há no ofício. A humildade de Jorge Sader em nada o desmerece: ao contrário, mais o dignifica como pessoa e autor, que busca nivelar-se por cima e pelo melhor. E consegue! Parabéns, meu amigo!
Oi, Jorge, li os dois livros citados, também no então curso Clássico. Tínhamos que escolher um livro para ler. A apresentação era realizada na frente das outras alunas, e a professora nos crivava de perguntas para saber se tínhamos lido o livro. Quando eu disse o nome do livro e do autor escolhidos, D. Carmen arregalou os olhos. Levou um susto (eu acho). Talvez jamais tenha imaginado que justamente eu, nada brilhante como estudante, fosse escollher este autor. Lembro-me que minha nota foi muito boa, beirando a máxima. Mas não me recordo mais das questões que ela me fez. Abrs. Mardilê
Muito bom texto, amigo Jorge. Mostra que a educação é realmente base para o progresso de todos nós. Teria você conseguido ser tão simples, claro e objetivo escrevendo, não fossem pais e mestres? Creio que não.
Abraço. Carmem
Que lição de boas leituras você nos dá com esse texto, Jorge! Na minha infância eu nada li, era analfabeto. Depois de adulto cheguei ao segundo grau a duras penas e li bastante, mas recomendado pelo colégio foi só Memórias de um Sargento de Milícias. Meu abraço.
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