sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Carnaval

             

            É costume dizer no Brasil que o ano começa depois do Carnaval. Talvez seja verdade.
            Abaixo da linha do equador a coisa é diferente.  Aqui, os meses de janeiro e fevereiro são insuportáveis.  Quentes, abafados, a cidade grande não permite que o ar circule direito, por causa dos altos prédios.  O asfalto é uma capa, um isolamento perfeito do que antes era terra, depois pedra.  Acumula um calor horroroso, além de ser excelente isolante para água de chuva.
            Tudo se torna penoso.  O andar nas ruas, o trabalho, a locomoção.  Estes dois últimos, faz tempo, adotaram o ar refrigerado.  Você sente o frio, ou pelo menos não sofre com o calor enquanto trabalha ou está na condução.  Saiu, danou-se.  É como enfrentar o bafo de uma panela com água quente.
            Mas chega o Carnaval e tudo muda.  As estradas ficam cheias de retirantes que procuram férias curtas em locais aprazíveis.  Caramba, que as filas são duras de encarar, são quilômetros e mais quilômetros.  Mas o povo enfrenta, a praia que se dirige não é tão longe assim, o lugar é mais fresco, sopra uma brisa gostosa, a cerveja gelada na areia parece o mais santo remédio, e muitas vezes é mesmo.  Alguns mais preparados levam um vinho branco, colocam a garrafa no recipiente que guarda a temperatura.  A barraca protege do sol inclemente, a água do mar está com uma temperatura invejável, cada mergulho parece um renascimento.  Mulheres exibem plástica perfeita, adquirida a duras penas nas academias durante todo o ano, esperando o festejo.
            Viagreiros, palavra inventada pelo escritor João Ubaldo, debochando de algum da sua turma que não sobrevive sem o citrato de sildenafil, princípio ativo da droga, dão vivas à ciência. Estão livres do “mas isto nunca me aconteceu antes”, deslavada mentira tantas vezes repetida.  Podem sem medo enfrentar a morena bem ‘malhada’ que o marido trocou por uma de menos dez anos.

            É tudo um sonho, que vai acabar na reunião da quarta-feira às três horas na empresa, ou quando o folião, ainda pensando na água gelada do mar, procurar o  alicate de corte na sua bolsa de eletricista. 

Publicado no Pravda de 23/02/2015   Link http://port.pravda.ru/news/sociedade/24-02-2015/38179-carnaval_brasil-0/    

13 comentários:

Celso Felicio Panza disse...

Está excelente Jorginho, um retrato fiel do samba, mulher e felicidade, regado a sol e cerveja, coisa de herói hoje, com os engarrafamentos e cheias de todos os tipos em restaurantes,praias, etc. Já fiz muita bravura, jovem e destemido, hoje nem sendo jovem faria, engarrafamentos por exemplo, coisa de demente. Não tinha isso anos atrás. Mas vc está conhecendo bem o princípio ativo dos "estimulantes". Se for para uso interno, tudo bem, caso contrário "Cuidaids". Abração velho irmão. Celso

Sandra Galante. disse...

Muito bom Jorge, retratou maravilhosamente bem o carnaval.Parabéns! Sou tua fã na tua escrita e sem azulzinho hein? rsrsrs Bjos

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

É bem isso mesmo, e como boa carioca, já enfrentei tudo isso para descansar nas águas azuis dos mares da região de Cabo Frio. alias vi nascer a praia da Ferradura e Búzios, época maravilhosa de minha adolescência passada por estes mares!
Boa crônica para este delicioso Carnaval de 2015! Vamos esquecer ao menos por uns dias a Política deste País conturbada!
Abraços,
Efigenia

Unknown disse...

Olá Jorge! Adorei! É por aí mesmo, o povo esquece até do calor quando se trata de carnaval. Tudo é folia, samba e fantasia. Parabéns pela crônica! Abraços
ZzCouto

Caio Martins disse...

Perfeito, Jorge! Pincelada rápida e perfunctória,de quem está de bem com a vida!

Célia disse...

Sua crônica, sem nenhuma restrição. Excelente! Aborda a "farra" travestida de "alegria" com um pano de fundo,o nosso Brasil, lindo em suas regiões e habitantes, mas em um momento "borrado" pela corrupção e seus corruptores e corrompidos! Um bloco que há tempos já desfilava... Será que caiu a máscara?
Abraço.

Nadir D'Onofrio disse...

Jorge, boa noite!
Gostei da crônica!
Carnaval no Brasil é uma tradição, foliões sentem-se realizados
com essa festa!
Outros fogem para locais mais tranquilos como, bem relatou,
no texto, cada qual aproveita a seu modo.
Bom seria, se os brasileiros usassem também dessa energia para protestarem, contra as corrupções, desmandos no país, enfim exigirem
valer seus direitos de cidadãos.
Abraços.
Nadir

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Carnaval? Prefiro mantas e mantras, em um ponto de montanha menos sufocante. Se bem que, neste ano, os folguedos de Momo passarei em casa mesmo... Abraços, Jorge.

Shirley Brunelli disse...

Olá, amigo Jorge, digo a verdade, não gosto do carnaval. Moro numa chácara, onde imperam o silêncio, o verde e os passarinhos. Não vejo a folia nem pela TV.
Mas, a sua crônica está perfeita.
Beijos!

Carmem Velloso disse...

Jorge, você acaba de dar uma definição perfeita do que é o nosso Carnaval. Boas cervejas, meu caro!
Beijo.
Carmem

marcia disse...

Jorge,crônica leve,colorida e alegre como o carnaval...bjus

Anderson Fabiano disse...

... e como equilíbrio e bom censo não costumam dar muito IBOPE nessas terras brasilis, aqui vou eu pra frente da TV me esgoelar com o desfile da minha querida Mangueira e a quarta de cinzas que se dane. Ainda não cheguei lá... e como o Brasil, com ou sem Lulas na cadeia, só começa a funcionar depois do carnaval, vou ficar de olho no noticiário porque político brasileiro ADORA usar carnaval como cortina de fumaça para as suas cagadas. E viva o Rei Momo.
Abração, parceirinho!
Outra belíssima (e oportuna) crônica.

Seu sempre amigo,
Anderson Fabiano

Unknown disse...

Bem isso, Jorge, em pinceladas rápidas e plásticas, descreveste o Carnaval no Brasil. Abrs