quinta-feira, 30 de julho de 2015

Vai procurar a sua turma


       

            Bar limpo, sem balbúrdias desnecessárias, chope sempre novo, gelado, gostoso de ser bebido.
            Três tipos numa das mesas.  Tinham idade, mas conservavam o vigor que ia desaparecendo com o tempo.  Maldito tempo, mas ninguém sabe parar relógios, modificar a folhinha, ou o mais difícil, mexer no movimento dos astros.
            A pilha dos cartões de tulipas consumidas não parecia exagerada, mas pequena também não era.  Bem calculado, qualquer ser normal, ainda que com doença não condenada, entenda-se condenada com aquelas que não têm mais jeito, coração estropiado, diabetes sem controle e vamos parando por aqui para não fazer tratado mórbido, qualquer ser normal, convém repetir, aguenta tomar quatro chopes sem problema.
            Todos com trajes de quem não está mais no batente, não assinam ponto, não veem diário oficial, nem tentam bajular o chefete, que quando não é colega costuma ser um imbecil.
            Mesa próxima, quase colada, dois com tipo muito sem graça e, quem sabe, suspeito.  A bebida era caipirinha, um já estava pela conta do malvado.  Segundo os entendedores, ‘Seu Tranca-Ruas’ gosta de quem já está de fogo.
            — Vão fazer lambança e não demora.
Seu Tito, um dos que estavam na mesa do chope, comedor emérito de rolinhas assadas, farofa na manteiga e arroz temperado com bastante louro, à gaúcha, foi quem fez a observação.  Era o único que estava de calças, ei calma lá, todos estavam vestidos, mas de calças compridas, um jeans surrado da moléstia, só ele.  Acertou.  Rumo ao mar, uma guria que de vinte anos não passava, uma com short bem insinuante, pernas perfeitas, bumbum mais do que perfeito e andar gingado, assombrou o local.
            — Caramba!  Que coisa mais linda!  — Foi a vez de um dos seus companheiros, os da turma dos antigos.  A guria, aparentemente sem prestar nenhuma atenção ao tumulto que estava fazendo, continuou seu caminho, mas passou a andar com mais sensualidade.  O traseiro estava com movimentos mais acentuados, provocativos.  Um da mesa da caipirinha levantou rápido e foi em cima.  Conversa rápida, depois do ocorrido ela não quis dizer o que ouviu e falou, mas todos viram que foi palmeada, e muito bem palmeada!
            O tapa na cara sempre é motivo para alvoroço.  Foi o que aconteceu com o atrevido.  Juntou gente.  Mulher quando toma atitude violenta, sempre chama a atenção de quem quer que seja.
            Seu Tito, o mais velho de todos, o comedor de rolinhas assadas com farofa de manteiga e arroz de louro, disparou:
            — O que este cafajeste fez, além de passar a mão em você, que todos vimos?
            — Ele não perguntou o preço.
            Acontece.  Nem sempre, mas acontece.  


Bronzes: Ana MM Sader  

11 comentários:

Tais Luso de Carvalho disse...

rss, excelente conto, Jorge, mas o final que surpreendeu!
Taí o espírito da coisa!
Grande abraço!

Caio Martins disse...

Deu pra rir muito, Jorge! Gostei demais!

Marcelo Sguassábia disse...

Realmente boa a guinada no final. Lavra inspirada, Jorge.

Celso Felicio Panza disse...

Camarada, isso é coisa de "furingo", biriteiro e velho, ou só velho ou só biriteiro. Um abração. Celso

Carmem Velloso disse...

Acontece mesmo, Jorge. Muito bem escrito, mas a imagem está com as esculturas sem destaque.
Beijos,
Carmem

Célia disse...

Questão de detalhes, tão somente... Afinal, o que é uma "mão" no lugar certo, na hora certa?
Abraço.

Marco Bastos disse...

Prezado Jorge. Sempre um belo conto. Há pouco tempo, li no preTexto, a crônica "Anônimo Suburbano" da querida Rosa Pena, e saboreei as minhas "lembranças cariocas". Este caipira das barrancas do Tietê, na juventude, teve em três fases, contato mais estreito com o Rio. Relatei na minha página algumas peripécias. Você e Rosa com a sensibilidade que têm, me fazem lembrar o espírito e o savoir vivre dos cariocas. No seu conto eu estaria na mesa dos chopps, e, lembrando-me que tenho clavículas e outros ossos finos, não correria o risco de abordar as “malhadas” dos tempos atuais, rs. Parabéns, abraço.

Anderson Fabiano disse...

Jorjão,
Por essas e por outras, que sempre preferi a mesa de chopes. Até porque, os da mesa de caipirinhas não sabem que Tom e Vininha podiam dizer "Ah! Que coisa mais linda...", porque tomavam uísque e naquele tempo, pelo menos no Veloso, não passava garota de programa, só de Ipanema.

Meu carinho, parceirinho,
Anderson Fabiano

Shirley Brunelli disse...

Jorge, muito bom, como sempre, esse conto. O Tranca-Ruas,
bem que podia ter evitado essa confusão rss...
Lindas as esculturas...da filha?
Amigo, parabéns e beijos!!!

marcia disse...

Jorge,ótimo conto com final perfeito...
Belas esculturas...bjus

Unknown disse...

Muito bom o conto, com a principal característica de conto: final surpreendente. Abrs. Mardilê