domingo, 4 de dezembro de 2016

Calado

                                

            Tempo quente, ora calor, ora frio, ninguém entende mais nada.  Pouco importa.
            O fato é que estavam todos sentados num bar elegante, manhã ensolarada, chopes bem tirados saindo em seguida.  Cinco.  Eram cinco: três amigos e dois convidados.   A conversa não poderia ser outra: política.  Dependesse deles os problemas da nação – quem sabe do mundo – estavam resolvidos.  Mas passa uma mulher, talvez vinte e quase trinta, que assombra.  Alta, boa desenvoltura e boa mesmo, bonita, bem feita.
            — Homem de Deus, o que é isso?
            — Uma mulher bonita, não está vendo?
            — Claro que sim, não sou cego. — Tomou um gole grande.  Chope de melhor qualidade.  Viu um dos funcionários, com uma faca especial para boa cozinha, cortando finas fatias de linguiça.  Depois, cubos de provolone.

            — Quem será esta, não conheço e moro aqui há anos.
            — Também estou vendo pela primeira vez. Boa e linda demais.
            A bela mulher acabara de virar alvo de investigações de gente não lá muito recomendável. Quer dizer, fofoqueiros, o que não é boa referência para homens.  “Alfredo Maluco”, que só pelo apelido já fica apresentado, pensou alto:  — Conheço, mas não sei de onde.
            Nem poderia lembrar direito, já estava de fogo.  Um dos participantes da mesa estava visivelmente nervoso.  Aparentemente, sem nenhuma razão. Especialista em previsões de mercado futuro, na bolsa de São Paulo, era frio por natureza da profissão.  Mas estava.
            A tal mulher maravilhosa não foi à praia, estava fazendo compras pequenas num mercado da vizinhança.  Seu erro, talvez, fosse o short curto, que permitia visão completa.  O traseiro, que traseiro!  Pernas perfeitas, para a imaginação dos que viam aumentar bastante.  Ela conseguiu centralizar a conversa.  ‘Alfredo Maluco’ morava muito perto dali.  Pegou o celular — quem não usa estes aparelhos hoje? — e ligou para o filho.  Catulo, nome dado em homenagem ao poeta e compositor Catulo da Paixão Cearense, em pouco tempo estava junto ao grupo.  Sentou-se junto a todos, bebia pouco, não gostava de chope, foi de cerveja mesmo.  O pai cochichou algo no seu ouvido. Ele foi até o mercado e viu a mulher.
            — Piranha, pai.  Os novinhos da área ela já devorou todos.
            — Hã? Você também?
            — Eu não, mas o Luis já castigou. – Luis era o irmão, pouco mais velho.
            — Tem certeza?
            — Absoluta! — O marido, perto, escutou tudo.

            Ela estava voltando.  Um pequeno volume de compras na mão direita.  O marido, que estava sentado com eles, já desconfiava fazia tempo, deu um salto, pegou a faca do cozinheiro e enfiou sem dó nem piedade no bucho da gostosona.
            Acontece.  Pegou apenas oito anos de reclusão, homicídio simples.

13 comentários:

Célia disse...

Melhor ser feia mesmo... Não chama a atenção e permanece viva... vivíssima!! [risos]
Abraço.

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Calado, sim. Manso, nunca mais! É...
Abraços pra você, Jorge.

Lur disse...

Ah, Catulo, você entornou o caldo!...
Jorge, meu amigo, gostei muito de ler você.
Um interessante texto muito bem construído, que aborda a tragicidade do cotidiano. Os diálogos internos dão indícios do desenrolar do climax. Aplausos!

Carmem Velloso disse...

Este 'encosto' de Nelson Rodrigues não abandona você, Jorge.
Gostei muito do seu ritmo.
Beijo. Carmem.

Caio Martins disse...

Grande Jorge! Mestre, superou-se... Jogo rápido, clima intenso e final surpreendente! Gostei! Muito...
Abraço, parceiro!

Ana Bailune disse...

Quem diria!
Às vezes, melhor não dizer...

Unknown disse...

Sete anos:está barato matar,hein Jorge?
Gostei bastante deste conto que mostra
a realidade brasileira em uma de suas facetas.
Parabéns,saudações.

Tais Luso de Carvalho disse...

Belo conto, é a cara do Brasil! Não gostou? Desconfiou? Tira de cena!
E pegou pena branda... eta país que não valoriza a vida!
Muito bem bolado esse seu conto, Jorge, parabéns. E é bem assim a coisa...
Abraços, meu amigo.

marcia disse...

Jorge,contou com maestria nossa realidade atual...Bjus

Gil Façanha disse...

Fatos da vida real?!
Não basta ter mulher bonita, tem que dar conta do recado..kkkk.
Final trágico e irritante. Se o chifre fosse dele teria terminado como? Do jeito que a coisa anda...achoq que ele acabaria separado em duas malas!

Eduarda Krass disse...

Jorge, meu querido, você assusta com esta realidade!
Bom fim de ano! Meu beijo.
Duda

Rita Lavoyer disse...

E se "piranha" fosse invenção do Catulo que, tentando uma investida, levou um baita safanão na cara e aproveitou-se para dizer em pleno ar livre que a "piranha" tinha sido provada pelo Luís - ficou provado isso?
Há controvérsias aí. Tinha é que ter enfiado a faca na cara do Catulo- o linguarudo!

Aleatoriamente disse...

Deus do céu!
E se fosse imaginação do filho?
Mas acontece! Falta de experiência em silêncios.