Estes
calçadões costeiros que existem em tantas cidades do Rio de Janeiro são
mágicos.
Veja:
servem para passear, namorar, fotografar, ficar quieto pensando na vida, olhar
para as mulheres bonitas que vão pegar uma cor no sol da praia, enfim, penso
que todos conhecem como são agradáveis e úteis.
Mais: no outro lado da avenida que contorna o lugar, sempre tem uma
cadeia de restaurantes, bares dos sofisticados até aos mais simples, onde tudo
se fala, tudo se comenta, tudo se vê.
—
Nunca tinha escutado falar nisso?
—
Nunca. Olha lá, não se esqueça que não
estudei literatura. Sou advogado. Velho,
mas sou.
—
Meu colega de turma e amigo de longos anos.
—
Mas nunca escrevi nada, embora goste muito de ler e estudar a teoria.
A
conversa desenvolvia-se entre dois homens de meia idade, vestidos simplesmente,
era verão, tempo que não convida elegância, salvo a dos trajes de praia. Por ofício, sempre viveram de escrever. Um
juiz; outro jornalista mesmo.
—
Está mais do que em voga que um escritor deve levar na sua bagagem uma boa dose
de sofrimento. Dostoievsky falou
claramente sobre assunto.
—
E Hemingway arrematou com um ‘óbvio’.
—
Também já ouvi falar nisso. Mas nem um,
nem outro, escreveu sobre o assunto
Verdade. Não
havia nada escrito sobre esta condição indispensável para um homem
transformar-se num escritor. A gente
presume talento e entende que isto já é até demais! Engano.
Talento puro não faz profissão nenhuma. O bom padeiro sabe, por exemplo,
quando a massa batida e sovada, deixada para descansar, deve ir ao calor
exagerado, digamos cento e oitenta graus centígrados, no mínimo. Ah! Isto não é calor? Ora para forjas de aços cortantes, armas e
tantos outros instrumentos, realmente é apenas um calor, nunca uma têmpera. Esta, quando se dá na literatura, vai direto,
não tem termômetro que meça. As regras
também vão mudando. O antes bem discreto, hoje se transformou em evidente,
especialmente quando se fala em sexo. Os
biógrafos de Freud são unânimes em afirmar que ele lia muito Édipo, de
Sófocles, Hamlet, de Shakespeare e Os Irmãos Karamazov, de Dostoievsky. Os dois
primeiros são óbvios, mas o último complica.
São muitos os personagens, o romance é longo e as análises mais ainda.
Escrever é arte muito complicada. Esta, por exemplo, ficou fraca. Não está me
agradando. Mas segue. Senão o estudo
fica sem valor.
Deram um longo
e final trago no chope gelado e foram-se embora. A deusa Ficção acompanhou-os, com sua pantalona cinza e sorriso discreto.
12 comentários:
Entendo, modestamente, que escrever é uma espécie de sacerdócio. Afinal, escancarar a própria alma para ser vasculhada por desconhecidos é mesmo coisa de "raro" como enunciava Hermann Hesse.
Numa visão simplificada diria que o escritor é um cínico de plantão. Pensar, sofrer, sonhar, todo mundo faz, mas confessar isso exige uma enorme dose de cinismo. Ou puramente, desobediência aos padrões politicamente corretos.
Pensando bem, nesses tempos em que a tecnologia e a bizarrice nos atropela diuturnamente, o que é esse tal de "politicamente correto"?
Sei lá, Jorjão, vou voltar para o meu novo livro. Estou precisando revelar mais algumas de minhas sandices.
Abraços fraterno, doce amigo.
Anderson Fabiano
Abrir a alma é difícil, Jorge. E mesmo não existe a pura ficção, imagino eu. A fantasia, pouco diferente, esta sim, sempre está por perto. Belíssimo e corajoso texto.
Beijo.
Beijo. Carmem
A maior ficção que existe é a própria vida. Quem escreve não inventa nada que a vida não tenha.
Abraço
Há quem escreva, o que lhe passa no íntimo, verdadeiramente,
outros criam ficções baseados em leituras, imagens, conversas.
Assim também existem dezenas de escritores, que,
acumulam páginas e, mais páginas, porém, não dizem a que vieram.
Lendo agora sua crônica as palavras me fazem pensar,
viajar, sentir, saborear! Isso para mim é importante!
Induzir o leitor levando-o a concluir, ao que o escritor se propôs.
Grata pelo convite, Jorge, ótimo seu trabalho!
Nadir D’Onofrio
Olá, Jorge,
Penso eu que a ficção tem como alicerce a realidade. Em nome da ficção enxertamos muito da vida dos outros e da nossa também, é claro. E aí fizemos aquele floreio. Na ficção tem muito do nosso viver disfarçado.
Porém, escrever é uma delícia, aliviamos a alma sem perceber, nos divertimos e exercitamos todos os nossos sentidos.
Gostei do seu texto, dá pano pra manga, pois na verdade, ninguém quer desnudar-se, apesar de querer contar tudo. Vá entender... Uns até arriscam um pouco, mas quando torna-se muito, vira "ficção" com personagens um tanto estranhos.
Beijo, meu amigo, uma linda páscoa pra você e família.
A calçada portuguesa, é um "tapete de pedra" sob os nossos pés, conforme foi recentemente definida no New York Times... convidativa, inspiradora, instigando em fazer-nos avançar sempre, de uma forma facilitada... e onde a vida acontece, acrescentaria eu...
Quanto à condição essencial para se ser um bom escritor... eu diria, que é apenas e só, realmente... sentir... e de facto, confessá-lo, corajosamente, numa folha em branco...
Mais um excelente texto, que faz uma interligação perfeita, entre a realidade e o mundo da escrita... também ela... mais uma forma, de realidade... interiorizada por cada autor...
Um grande abraço! Continuação de uma óptima semana! E Feliz Páscoa!...
Ana
Que conversa deliciosa, meu querido amigo Jorge! Você escreve tão atraentemente!
Partindo dos calçadões costeiros daí, nesse caso, se engendrou um interessante diálogo entre dois bons e interessantes pensadores.
Escrever é uma arte e você a possui há muito e em doses industriais.
Beijos e Páscoa de renovação.
Escrever não é nada confortável. Escrever dói, sabemos disso. Abraços, Jorge.
Jorge,
Eu adoro escrever.
Escrever é minha voz.
E sua escrita é uma delícia.
E esse texto é fantástico.
Se gostar da minha Poesia
é só passar lá.
Bjins
CatiahoAlc.
Jorge se desejar passe no
Espelhando https://reflexosespelhandoespalhandoamigos.blogspot.com/
Você esteve no Blog de uma autora que
assessoro, que ainda está em teste. Sou grata
por tr ido la, vai significar
muito para a autora.
No Espelhando há publicaçao minha.
Bjins
CatiahoAlc.
Ainda bem que a dama da ficção existe com sua pantalona cinza. bjus
Muito bom ler e sentir o desnudamento d'alma, sua e dos personagens citados no texto.A Taís disse tudo "a ficção tem como alicerce a realidade. " gostei da dama de pantalona cinza
Abraço e grata pela visita.
Abraço
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