terça-feira, 19 de outubro de 2010

Valentia

Banho













O lugar era uma mata rasteira, árvores poucas, meio torcidas: vegetação de cerrado. O riacho fazia a música do lugar, água fria, cristalina que corria em destino a outro bem maior.
- A água tá fria?
- Tá uma gostosura. Lavou até por dentro.
- Por dentro não lavou foi nada. Nem bebeu um gole, e ‘inda que tomasse não lavava, bicho ruim.
Bastião Neném não ouviu bem o comentário da amiga. Estava enxugando o couro grosso e pelejando com uma garrafa de cachaça. Couro grosso sim, aquilo não poderia ser chamado de pele.
Rita já havia tirado toda a roupa, e seu corpo brejeiro foi alvo de elogio do velho companheiro. Fazia seis anos estavam juntos.
- Só meu. Isso tudo é só meu.
- Dá um beijo.
- Mulher gosta dum beijo. Não reclama do cheiro. Dei uma talagada grande.
- Depois tomo meu jenipapo também. E fazemos alguma coisa...
- Agora não, a barriga tá roncando.
Iam batizar o menino Januário, sobrinho deles, filho de uma irmã de Rita. Mais dois dias de tropel, estariam dormindo em redes velhas, mas coisa de primeira: nem um pouco esgarçadas, limpas e perfumadas de ervas.
Bastião Neném ouviu barulho na mata. Não era coiteiro nem metido em bandos. O que passou, passou. Correu para um emaranhado de mato, escondeu-se e no maior silêncio engatilhou sua velha, mas bem cuidada parabellum, antiga ferramenta de trabalho.
Experimentado, sabia que Rita estava sendo vista, tomando banho nua e desejada por quem estava vendo. Dois homens, camisas do exército, lugar onde eles nunca deveriam ter andado. Imprudentes, viram dois cavalos e partiam para o ataque.
- Boas tardes, moça. Não vai sair desta água não?
A última coisa que ela poderia fazer, fez. Distanciou-se do lugar, saiu de perto da margem.
Quem é burro deve pedir a Deus que o mate e ao diabo que o carregue, falam.
Um deles caiu n’água, a procura do prazer forçado. De cuecas, só. Quando estava próximo levou uma pedrada na testa. A astuciosa Rita pegou no fundo do rio. Pedra grande, atirada com precisão. Pegou na testa, tingiu o rio de sangue, o corpo foi água abaixo.
O outro, que tudo assistia, levou um tiro na nuca, e foi fazer companhia ao amigo desavisado.
Histórias do lugar, coisas do sertão.

17 comentários:

Rita Lavoyer disse...

E que fiquem bem avisados, os cabras da peste, que Rita que é Rita não se engambela nem em rastro difícil. Rita que é Rita dá de pedrada, tijolada, foice e carabina. Tome tente! Tome tento! "Escreveu, num leu. É morto!"

Texto bom pra prosear com ele, que dá gosto, sô!

Mai disse...

Maravilha esse texto!
Captura o leitor e as Ritas.

Excelente!

lino disse...

Belo texto!
Abraço

Pati* disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pati* disse...

Uma ótima narrativa, uma construção de personagens e enredo que não "força a barra", admirável. É preciso reconhecer o perigo da exposição a que o casal se sujeitou, tomar banho de riacho assim é uma delícia, mas a prudência sempre fala mais alto, não é mesmo? Muito astuta a Rita, soube defender-se do atrevido, nenhum leitor desejaria que ela caísse nas mãos dos invasores, mesmo tendo sua parcela de culpa em todo o incidente. Com o desfecho trágico, que fique a lição para os cabras que gostam de mexer com mulher que tem dono, é certo que toda boa mulher do sertão tem quem olhe por ela.

Cheiro, Pati.

Marcia disse...

Coisas desse tipo ainda acontecem muito.Pião que não toma tento come grama pela raiz..
Ótimo Jorge
Bjus...

jyjutujyghnmbc disse...

Gostei muito, emocionante e com consequências fatais.

Abraços

Ana Maria Pupato disse...

Trama bem tecida e interessante. Não é fácil captar o momento de um lugar diferente do nosso e tornar autêntico. Ficou maravilhoso!

Caio Martins disse...

Hehê! Mexeu com a alma sertaneja da Rita... Beleza, Jorje. Não sei o que é pior, pedrada de rio na testa ou tiro de parabellum na nuca... O melhor é a cachaça de pote e a moça faceira que briga feito fera.

Abração, cumpadi.

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Eu tava lá e vi tudo. Fui levado pela mão de Jorge, esse contador de histórias habilidoso como ele só. Li numa sentada e fiquei querendo mais. Parabéns por mais essa.

cristinasiqueira disse...

Brasileiríssimo.Gosto muito da linguagem e dos causos regionais.E que beleza de cenário.Tão nosso,o cerrado,espaço ermo para o banho sossegado!E a Rita selvagem e o amante voyer.Gosto do seu estilo,
da conscisão,da brevidade da narrativa .Instigou e zás o desfecho.


Com admiração e carinho,


Cris

Chris B. disse...

Jorge querido...

Tão bom ler-te... principalmente teus comments.
Estou passando como furacão pelos blogs só para deixar beijos.. pq está muito corrido mesmo para mim...
Um fim de semana lindooooooo.

Obrigada pelo carinho deixado em meu blog.

pat.

Rob Novak disse...

Que se avise aos desavisados: a história é boa e bem escrita.
:)
Abraços!

Márcia Sanchez Luz disse...

rss...gostei da atitude da Rita! É assim que deve ser ;-)
Parabéns pelo brilhante texto - é de uma naturalidade própria de quem domina a arte de escrever.

Beijos

Márcia

ps: li sua matéria no VB e só posso lhe aplaudir!

Rodrigo de Assis Passos disse...

lindo texto, parabéns!

Barbara disse...

Faço minhas as palavras da Mai.
Mas, que coisa boa, isso de rede cheirando a ervas!

Rede Sócio-Cultural Poetas e Escritores do Amor e da Paz disse...

Crias e recrias artisticamente um conflito em torno de duas personagens principais e duas secundárias; e no espaço limitado de pouquíssimas linhas trafegas da sensualidade à tragédia, de forma natural e sem excessos. Mestre na arte. Leio e releio, para aprender. Beijossssssssssssssss.