domingo, 10 de abril de 2011

Olhos vendados













                                           Olhos vendados

            Caminhava devagar no estreito corredor do edifício.  Por incrível que pareça, o tempo estava frio no Rio de Janeiro.
            Todo de cinza.  Paletó, calça e camisa.  Sapatos e cinto pretos.  Gravata vermelha, listada com ocre escuro.  Era a única peça do vestuário que aparecia, distinguindo o homem quando estava na multidão.
            O Leme já foi um lugar bastante tranquilo, e hoje ainda é, relativamente. O edifício estava situado de frente para o mar. Era alto, o cidadão de cinza.  Ajeitou alguma coisa na cintura, parecia uma arma.  Das grandes, pois precisava ficar bem colocada para não fazer volume.
            “Que diabo! Eu poderia ter evitado o atropelamento daquele gato. Não gosto de matar animais, mesmo sem ser de propósito”, pensava.  Foi na estrada de volta.  Vinha a pouca velocidade, mas o gato, provavelmente velho ou faminto, atravessou na frente do carro como fosse suicídio.  Não, não me consta que animais se matem. Nunca ouvi falar. Nem ele, tão-pouco.
            Veio pensando nisto toda a viagem.  No quarto da simpática pousada, como a casa dele, diante do mar de águas limpas e azuis.  Confortável, lugar calmo e aprazível.  Não, não fora acompanhado, a cidade estava vazia, era dia de semana, mas poderia ter levado sua companheira, que não morava com ele.  Melhor assim.  Cada um com sua vida e privacidade.  No mais, moravam a menos de cem metros.
            A guria que almoçou com ele era realmente uma senhora mulher.  Provou na mesa, usando um conjunto marrom-avermelhado, e na cama, sem nada.  Foi uma longa noite, e ele pensou que poderiam ter aproveitado mais.
            É sempre a mesma coisa: mais.  Mais tudo, dinheiro, sexo, comida, bebida, e só isto mesmo.  A lista está completa.  Não entram na contagem vestuário, automóveis e outras bugigangas.
            A porta estava aberta, muito pouco mas estava.  Sacou a Colt quarenta e cinco.  O primeiro tiro pegou no homem menor.  O acompanhante nem com arma na mão estava, mas quando foi puxar, tomou um coice no peito.
            Numa poltrona, de olhos vendados, fato incomum, e amarrada, Duda sangrava.  Morta.

15 comentários:

lino disse...

E quem era a Duda?
Abraço

Mari Amorim disse...

Jorge,
tempos sangrentos..
Boas energias!
Mari

Marcia disse...

Mais um ótimo conto com um fim inesperado...bjus

Sandra Gonçalves disse...

Poxa...Sangrento.Beijos achocolatados

Unknown disse...

Oi Jorge, excluí o comentário sem querer. Meu computador está meio doidinho. Eu disse o seguinte: A bem da verdade, prefiro as tuas crônicas líricas. Deixo claro que nesta crônica o que não me atrai é o tema, porque a narrativa flui maravilhosamente. Abrs. Mardilê

Rita de Cássia Zuim Lavoyer disse...

É, o dia a dia anda trazendo uma atmosfera para produção de ótimos contos sangrentos.
Ainda bem que este, do Jorge, não passa de ficção.
A Duda?... Coitadinha dela!

Gisa disse...

Duda era a sua alma que sangrava.
Um grande bj querido amigo e desculpa a invasão da interpretação livre que fiz

Mel Racional disse...

Complicado o seu texto. Parece que a Duda baleada seria a guria 'a senhora mulher' que o acompanhou ao quarto...

Caio Martins disse...

Magistral! O roteiro está impecável, obriga a pensar. E gera infinitas perguntas, como a do Lino: "Quem era Duda?" Núcleo do relato, é o único nome na crônica, justificando a afirmação de Gisa: "...a alma que sangrava". Dá, ao leitor, a oportunidade de construir sua própria versão. Parabéns, Mestre Jorge

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Esse "limbo" de quem era Duda e o porquê do ocorrido é que dá graça e mistério ao texto. Ao ótimo texto do mestre Jorge. Parabéns.

Blogat disse...

O texto enche nossa cabeça de perguntas e envolve fatos sangrentos e tiros.
Momento atual?

petuninha disse...

Parabéns,
interessante trama policial, próxima das narrativas de Allan Poe pelo suspense e mistério. Sem falar que desperta no leitor a ânsia de Sherllock Holmes!

Beijos.

Rosana disse...

Oi Jorge...Que postagem!!! Criou realmente um clima no teu conto. Delícia de ler. Prendeu minha atenção e me fez pedir pra você contar tudo, tudo, tudo...Quero mais...ok? Beijooooooooooo pois AMEI!!

Teresinha Oliveira disse...

Gostei muito! Invejo escritores como você. Eu que gasto tanta palavra... Teu conto deixou várias questões e possibilidades abertas.
Ótimo exercício de criatividade. De onde veio esse elegante homem? Antigo amor da Duda? Traição ou surto?

Solange Belém disse...

Olá, Jorge, que tragédia!
Mas...quem é a Duda?

Um abraço

Sol