Olhos vendados
Caminhava devagar no estreito corredor do edifício. Por incrível que pareça, o tempo estava frio no Rio de Janeiro.
Todo de cinza. Paletó, calça e camisa. Sapatos e cinto pretos. Gravata vermelha, listada com ocre escuro. Era a única peça do vestuário que aparecia, distinguindo o homem quando estava na multidão.
O Leme já foi um lugar bastante tranquilo, e hoje ainda é, relativamente. O edifício estava situado de frente para o mar. Era alto, o cidadão de cinza. Ajeitou alguma coisa na cintura, parecia uma arma. Das grandes, pois precisava ficar bem colocada para não fazer volume.
“Que diabo! Eu poderia ter evitado o atropelamento daquele gato. Não gosto de matar animais, mesmo sem ser de propósito”, pensava. Foi na estrada de volta. Vinha a pouca velocidade, mas o gato, provavelmente velho ou faminto, atravessou na frente do carro como fosse suicídio. Não, não me consta que animais se matem. Nunca ouvi falar. Nem ele, tão-pouco.
Veio pensando nisto toda a viagem. No quarto da simpática pousada, como a casa dele, diante do mar de águas limpas e azuis. Confortável, lugar calmo e aprazível. Não, não fora acompanhado, a cidade estava vazia, era dia de semana, mas poderia ter levado sua companheira, que não morava com ele. Melhor assim. Cada um com sua vida e privacidade. No mais, moravam a menos de cem metros.
A guria que almoçou com ele era realmente uma senhora mulher. Provou na mesa, usando um conjunto marrom-avermelhado, e na cama, sem nada. Foi uma longa noite, e ele pensou que poderiam ter aproveitado mais.
É sempre a mesma coisa: mais. Mais tudo, dinheiro, sexo, comida, bebida, e só isto mesmo. A lista está completa. Não entram na contagem vestuário, automóveis e outras bugigangas.
A porta estava aberta, muito pouco mas estava. Sacou a Colt quarenta e cinco. O primeiro tiro pegou no homem menor. O acompanhante nem com arma na mão estava, mas quando foi puxar, tomou um coice no peito.
Numa poltrona, de olhos vendados, fato incomum, e amarrada, Duda sangrava. Morta.
15 comentários:
E quem era a Duda?
Abraço
Jorge,
tempos sangrentos..
Boas energias!
Mari
Mais um ótimo conto com um fim inesperado...bjus
Poxa...Sangrento.Beijos achocolatados
Oi Jorge, excluí o comentário sem querer. Meu computador está meio doidinho. Eu disse o seguinte: A bem da verdade, prefiro as tuas crônicas líricas. Deixo claro que nesta crônica o que não me atrai é o tema, porque a narrativa flui maravilhosamente. Abrs. Mardilê
É, o dia a dia anda trazendo uma atmosfera para produção de ótimos contos sangrentos.
Ainda bem que este, do Jorge, não passa de ficção.
A Duda?... Coitadinha dela!
Duda era a sua alma que sangrava.
Um grande bj querido amigo e desculpa a invasão da interpretação livre que fiz
Complicado o seu texto. Parece que a Duda baleada seria a guria 'a senhora mulher' que o acompanhou ao quarto...
Magistral! O roteiro está impecável, obriga a pensar. E gera infinitas perguntas, como a do Lino: "Quem era Duda?" Núcleo do relato, é o único nome na crônica, justificando a afirmação de Gisa: "...a alma que sangrava". Dá, ao leitor, a oportunidade de construir sua própria versão. Parabéns, Mestre Jorge
Esse "limbo" de quem era Duda e o porquê do ocorrido é que dá graça e mistério ao texto. Ao ótimo texto do mestre Jorge. Parabéns.
O texto enche nossa cabeça de perguntas e envolve fatos sangrentos e tiros.
Momento atual?
Parabéns,
interessante trama policial, próxima das narrativas de Allan Poe pelo suspense e mistério. Sem falar que desperta no leitor a ânsia de Sherllock Holmes!
Beijos.
Oi Jorge...Que postagem!!! Criou realmente um clima no teu conto. Delícia de ler. Prendeu minha atenção e me fez pedir pra você contar tudo, tudo, tudo...Quero mais...ok? Beijooooooooooo pois AMEI!!
Gostei muito! Invejo escritores como você. Eu que gasto tanta palavra... Teu conto deixou várias questões e possibilidades abertas.
Ótimo exercício de criatividade. De onde veio esse elegante homem? Antigo amor da Duda? Traição ou surto?
Olá, Jorge, que tragédia!
Mas...quem é a Duda?
Um abraço
Sol
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