O sol acariciava as peles dos que o apanhavam. Mesa num jardim florido, o hibisco dominando
com sua flor amarela. Na mesa, uma
garrafa de uísque, um maço de cigarros que trazia um anacronismo com o tempo
atual. Café, amendoim e castanha de
caju.
Ambos vestidos confortavelmente. Jeans, camisas de algodão, sapatos
mocassim. Ele bem mais velho, talvez
vinte e cinco anos, aspecto saudável.
Ela, esbelta e bonita. Não bebia,
nem fumava, como o companheiro na manhã de domingo. Beber uísque e fumar, dava-se ao hábito nos fins de semana, depois das onze
horas.
— Pois eu garanto que este cara é um safado.
— Engano seu.
— Engano meu como, se o moleque está se aproveitando da sua
idade e inexperiência?
— Não sou tão nova assim.
Nem inexperiente.
— Ah! Além de tudo,
está agindo como cega!
— E você, começando a me ofender.
— Será que sempre é a mesma e eterna história? Garota, mete isso na cabeça. Mais velho, bem mais velho, casado, não vai
abandonar a mulher nunca, fica nesta história manjada que não sabe viver sem
você, iludindo, e a tola acredita.
— Para de me ofender.
— Mas não é ofensa!
Veja bem, a situação dele é muito cômoda, certo? Cômoda e boa, afinal poderia ser seu pai, usa
você como descartável, e se não é assim é pela facilidade, você gosta dele e
nada tem em troca. Amor é troca, sabia?
— Amor virou produto?
É objeto encontrado em supermercados?
— Não desconversa.
Sabe bem do que estou falando.
Troca sim, sempre foi, é reciprocidade, lealdade, camaradagem.
— E?
— E vocês não vivem isso.
Claro que ouve elogios, promessas.
E o tal não vai abandonar a moleza.
Olha bem para o seu corpo, seu jeito, seus modos. Quem não quer?
— Não me interessa quem quer ou deixa de querer. Já disse, gosto dele. É importante para mim.
— Para você, para a mulher e para a família. Procura você quando quer. Se olha com jeito de tarado seu corpo nu,
qual a vantagem disso? Muito mais moça,
educada, dona da sua vida. Quem este
cara está pensando que ele é?
— Não está pensando.
Ele é importante. E eu gosto
dele. Pode ser mesmo um safado como você
está dizendo, mas não sei viver sem ele.
É sempre assim.
Quantas vezes esta história se repete?
Mesma coisa, menores detalhes, não varia nada desde os antigos romances
escritos que temos notícia. Às vezes, o
resultado não é nada agradável, pode acabar em sangue. Mas nem por isso vai deixar de existir.
imagem: índias do Xingu
10 comentários:
Como sempre, uma história cotidiana e muito bem escrita.
Mas o que têm as índias do Xingu com isso, caro Jorge?
Bjos. Carmem
Realmente, nada Carmem!
Como atualmente no país nada tem a ver com nada, resolvi homenagear as xavantes, bem mais bonitas do que Dilma e suas ministras.
Beijo.
Jorge Sader Filho
Pois é... as índias deram um toque surreal a este ótimo diálogo. Muito bom, Jorge!
As índias?? Não consigo ver a imagem. Talvez vivem numa civilização onde o respeito com a mulher ainda impera.
Uai! Por que será que eu não vejo as índias?
E o pior que já vi isso acontecer com uma amiga minha.Na época, eu ficava pensando se era ingenuidade ou carência. Talvez os dois. Nunca descobri. Abrs Mardilê
Jorjão, belo texto, mas a foto errou de matéria... Botar foto de índia pelada em divagação de periguete, só se estiver se referindo a quando o Cabral descobriu esta josta.
Abraços, cumpadi!
É Jorge, acontece, com frequência enorme, de as pessoas estarem se intrometendo na vida alheia. A sociedade desenvolve certo padrão, e a partir daí cria-se uma horda de defensores dele. Querem tudo igualzinho, como essa fila de de Ira_semas uniformizadas. Até as índias foram padronizadas. abrçs.
A vida como ela é... Com certeza, as "índias" estejam vendo novelas demais, sabendo de leilões de virgindade, e achando 'outros caminhos para as índias (ou Índias)... e desistiram de troca-troca por espelhos! Modernizaram-se? [...]
Abraço, Célia.
Jorge,Como sempre ótimo texto...As índias quase roubaram sua cena...
Bjus
Marcia
Cenas do cotidiano. Cenas pinçadas por olhos atentos, questionadores. Cenas por vezes rodriguianas, por vezes fellinianas, mas, sempre mexendo com nossos imaginários.
É Jorjão, você consegue estar cada dia melhor...
Meu carinho,
Anderson Fabiano
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