quarta-feira, 26 de março de 2014

O terror

  
 
            Não existe nenhuma organização mais detestada e odiada pela polícia e os serviços de inteligência e segurança do que o terror.
            Ele não tem limites, nem convenções, nem maneiras padronizadas de agir.  O terror não tem regras.
            Na casa simples por fora, e muito confortável e bem disposta por dentro, um grupo de homens conversava tranquilamente.  O sol da tarde disfarçava ainda melhor a inocente aparência da construção.  Um andar, garagem para dois carros, jardim pequeno e bem cuidado.  O hibisco estava florido, como sempre.  Um lugar bastante discreto.  Mas num canto estavam vários fuzis Colt, modelo AR-15.  Automáticos, davam rajadas mortíferas e dilacerantes.
            — Não penso assim.  Aquele veado não sabe nem mesmo dirigir direito.
            — E que tem isso?  Pode não saber dirigir, mas tem cabeça.
            — Cabeça furada, o álcool acabou com ela.  Além disso, não tem dinheiro.
            — Ah?
            — Estou dizendo, pode ter alguma coisa, mas não é como nenhum de nós.
            — Acaso isto faz diferença?
            — Só faz!  Se fosse esperto estaria mais rico.  Nós podemos comprar muita gente, negociar e matar.  Ele não pode nada disso.
            — Matar pode sim.
            — É.  E vai pagar muito caro.
            Os quatro outros homens que bebiam moderados goles de uísque de primeiríssima categoria assistiam com curiosidade.  Era apenas o começo da conversa.  Todos vestidos sem roupas que chamassem a atenção, passariam despercebidos em qualquer lugar que fossem.  É um hábito, ser bem discreto.   Todos com mais de quarenta anos, afinal eram chefes e não se admite principiantes nesta área.  Nem principiantes, nem pobres.  Todos ricos, muitíssimo ricos, investimentos espalhados mundo afora, Luxemburgo e Ilhas Cayman, principalmente.  A Suíça não era mais confiável, salvo para bandidos comuns, que eles odiavam, mas sabiam usar com muita habilidade quando necessário.
            — Vamos ao que interessa — falou um dos mais velhos. — Liquidamos esta parada agora ou esperamos a situação piorar um pouco mais, para o lado deles?
            — Sou por esperar.  Estão apodrecendo, fica tudo mais fácil. — Foi a vez de um deles, que ainda não tinha falado nada.  Pelos olhos frios, parecia o mais perigoso, assassino que pouco se incomoda com o que faz, afinal acreditar numa causa justa, acreditar muito, é sempre um alívio para quem vai cometer um ato não admitido pela sociedade.  Limpava com cuidado uma Walther P.38 , talvez a arma que mais matou impiedosamente na Segunda Guerra.  A sangue frio, sem razão nenhuma.
            — E a mulher?
            — Morre também, é uma falsa, metida a gostosa.  Já passou do ponto e não se manca.
            — Mas ainda é bonita...
            — Bonita porra nenhuma, foi bonita.  Envelheceu.  É trapaceira, atenção com o caso.  Tem muito machinho que vai querer ajudar.  A putinha sempre foi mestra em colocar coleira nos homens.
            Um deles, que também não tinha falado nada, bebeu um longo trago, acendeu um cigarro calmamente e disparou: — Porra, vocês estão fugindo do assunto.  Matamos a sobrinha primeiro.  Quando sair do colégio, leva um tiro.  Munição destruidora, vai ser enterrada de caixão fechado.  De acordo? Se a mãe perceber e se colocar na frente, fogo nela também.
            Ninguém se opôs.  Na verdade, a pequena não tinha nada a ver com a história, ou tinha tudo, depende do modo como se encara a coisa.  Era um aviso para o tio, marcado para morrer de tanto mal que fez àquela gente.
            “Você vai ser o próximo.” O terror é assim.  Impiedoso.

11 comentários:

Efigênia Coutinho ( Mallemont ) disse...

O saber de um bom conto, e fazer o leitor sentir a realidade contada, e Jorge Cortás Sader Filho, escreve desta forma, você vai lendo e imaginando toda cena! ADOREI!
Beijos
Efigenia

Caio Martins disse...

Jorge, cenários e cenas com as que descreve são da essência humana. Somos a fera mais perigosa da Natureza. Não contentes em destruir todas as espécies, dedicamo-nos a destruir a própria. Abçs.

Célia disse...

Jorge, reeditando a nova história do Brasil... Aqui como em "A Regra do Jogo" lê-se claramente sobre o Brasil de hoje. Quem não leu não sabe o que está perdendo... Indico.
Contos que, da ficção, nos remetem à realidade.
Abraços, mestre Jorge!

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Assunto sinistro, mas muitíssimo bem retratado. Boa, Jorge.

Marco Bastos disse...

Tudo andou muito depressa e ainda anda. Quem ficou pra trás não mais alcança - a inserção social e as condições de sobreviverem do seu trabalho. Constituem-se e se organizam para viverem na criminalidade, usurpando de quem manteve melhores condições. A humanidade está num processo de autodestruição. Crônica muito bem escrita. Parabéns Jorge.

marcia disse...

Jorge,descreveu com a maestria de sempre... o cotidiano...Bjus

Anderson Fabiano disse...

Por incrível que pareça há uma lógica nisso tudo. Absurda, é verdade, mas lógica. No absurdo do terror há tanta lógica e ética (pasmem) como na cena do Poderoso Chefão, em que um "afilhado" pede ao "padrinho" para matar uns caras que fizeram mal a sua filha e obtém como resposta: Matar talvez não... ele mataram a sua filha?

Como a moça sobreviveu ao ataque, os culpados receberam apenas uma puta surra. Foram parar no hospital totalmente arrebentados, mas vivos.

Meu carinho,
Anderson Fabiano

Rita Lavoyer disse...

Nosssaaaa!! que terrível!!!

Unknown disse...

O recado é para quem, Jorge?
Bjs. Carmem

Tais Luso de Carvalho disse...

Somos terríveis feras, nem um pouquinho belas... Concordo com Caio Martins.
Ótimo, retrata nossa pobre e infeliz realidade. E que vai de vento em popa.

Abraços.

Unknown disse...

É a "vida imita a arte." Fiquei em dúvida: realidade? ficção? Abrs