terça-feira, 3 de março de 2009

Sem susto

Rua escura

















O homem que caminhava solitário nos arredores da Praça Mauá, onde fora tomar uns chopes, havia trabalhado muito naquele dia.
Oficial intermediário da Marinha de Guerra, era comandante de uma lancha de patrulha da costa brasileira. Passara a tarde estudando o litoral da Restinga da Marambaia, onde suspeitava haver um grande despejo de tóxicos, jogados pelos navios. Ecstasy, a droga que mata por overdose.
Era um excelente oficial, mas sem dúvida um tipo um pouco estranho. Casado, pai de duas filhas, sempre teve um grande respeito pela família, onde era a docilidade em pessoa.
Não era assim no trabalho nem na sua conduta. Os seus comandados sabiam bem que não deveriam ser relapsos nas tarefas. Qualquer ajuda que precisavam, era só falar com o comandante. Não emprestava dinheiro porque não faz parte da vida militar, e tinha família, ganhava o suficiente. De resto, uma palavra sua ajudava muita gente. Ser trabalhador e honesto acima de qualquer suspeita garantiam este privilégio.
Os oficiais da Marinha usam hoje pistolas nove milímetros, geralmente Browning. Catorze tiros no carregador. Nem é preciso usar o segundo pente, é muito cartucho. O comandante também usava sempre uma pistola nove milímetros. Mas era a histórica Walher P.38, a famosa arma que os alemães colocaram para substituir a Luger. Esta era também uma excelente arma, mas qualquer carga deficiente, por menor que fosse, fazia a arma não funcionar, tamanho era o seu esmero na fabricação.
Este fato não acontecia com a P.38. De precisão no tiro impecável, aceitava e aceita munição bem ou mal feita. O comandante usava o stand de tiro da sua unidade. Como abusava na quantidade de disparos, usava uma pistola de pressão. Era raro fazer pontaria. Apontava a arma e os pontos mortais da silhueta eram acertados com facilidade.
Rua praticamente deserta, os automóveis preferem não passar em frente ao Primeiro Distrito Naval, durante a noite.
O comandante percebeu a manobra de dois tipos suspeitos, e continuou andando tranquilamente, mas sua mão já estava no cabo da P.38.
A polícia não se incomoda muito quando topa com cadáveres de marginais conhecidos. Dois tiros no peito de cada um.
O oficial, embora tenha sofrido por ser obrigado a tomar esta decisão, pensou que era bem melhor do que deixar esposa e duas filhas sem ele.

5 comentários:

Anônimo disse...

Já não assusta um fato como o muito bem escrito Sem Susto. Sem se incomodar com preceitos morais, o autor descreve sem leviandade o que acontece nas ruas das grandes cidades. Muito bom. Carlos Meirelles

Anônimo disse...

Jorge cria um clima de reportagem nos seus contos e crônicas. A realidade é tanta que escuto os tiros da Walter. Excelente!
Nilsson

Anônimo disse...

O autor nos carrega correndo por um texto muito atraente e de final que causa medo.
Duda

Anônimo disse...

Sader,

numa ficção, muitas vezes, revela-se o sentimento de uma população. Principalmente quando o cidadão de bem foi desarmado, a impunidade garantida por aberrações contidas no ECA e a visão "romântica" do legislador que protege os bandidos, mas não os leva para casa, sob sua tutela. Deu um recado muito sério.

Caio Martins. São Paulo.

Márcia Sanchez Luz disse...

Jorge, vim aqui ver seu blog - já tão lindo, em tão pouco tempo. Você está de parabéns!
Obrigada pelo carinho constante de seus comentários em minhas postagens.
Voltarei mais vezes para ler seus textos, viu?

Beijos,

Márcia